Estudos que abordam a repetição de histórias
vivenciadas pelas famílias de origem, e que são transmitidas ao longo das
gerações, trazem algumas problemáticas no que se refere a conteúdos disfuncionais
não elaborados pela família. Uma destas problemáticas se refere ao
surgimento do adoecimento psíquico em um ou mais membros da família, sendo
perpetuado por gerações. O grupo familiar é composto a partir do casal, e a
partir daí ocorre uma interação entre várias pessoas e diversas gerações,
construindo-se assim um caminho para transmissão psíquica. As mudanças nos
sistemas de transmissão psíquica e socioculturais, assim como suas feridas,
trazem um lado negativo, que é aquilo que fica oculto, não dito ou “mal dito”,
atravessando as gerações em um processo transgeracional. Quando é marcada pelo
negativo, observamos que o que se transmite é aquilo que não pode ser detido é
o que não encontra registrado no psiquismo dos pais e é depositado no psiquismo
da criança: os lutos não realizados, os objetos desaparecidos sem traço nem
memória, a vergonha, as doenças e a falta.
Para Piva o processo da transmissão constitui-se em
uma obrigação de trabalho psíquico, tanto para o indivíduo, quanto para o
grupo, e desenvolve-se através de um trabalho de elaboração, de ligação, na
medida em que uma geração consegue transformar aquilo que recebe,
apropriando-se do herdado, desde sua própria vivência e perspectiva. Este
processo permite que cada geração possa situar-se em relação às outras, bem
como inscrever cada sujeito em uma categoria como pertencente a um grupo, dono
de uma história e de um lugar. Porém, quando o herdado é apenas acatado, sem
elaboração, tem grande chance de cometer à repetição. Partindo-se desta ideia,
o presente estudo acerca da problemática apresentada fez-se importante no sentido
em que objetivou conhecer, sob o olhar transgeracional, os padrões comportamentais
transmitidos entre as três gerações de uma mesma família, que podem influenciar
no seu adoecimento psíquico.
Além da estrutura familiar, também acrescenta
importantes conceitos, como os subsistemas, fronteiras e hierarquias. Cada
indivíduo na família pode tomar parte de diferentes subsistemas de acordo com
as funções que exerce, como por exemplo, o subsistema conjugal, formado pelo
casal, na função de marido e mulher, parental, na função de pai e mãe, e o
subsistema fraternal, constituídos pelos filhos na relação entre irmãos. Estes
subsistemas se organizam através de fronteiras, tendo a função de proteger a
diferenciação dos sistemas, definindo quem participa, quando e de que forma. No
decorrer do ciclo vital, os diferentes papéis podem ser vivenciados, como por exemplo,
o papel de filho, de irmão, de cônjuge, de pai, etc. Estudar os fenômenos
identificados no processo de perpetuação familiar é também fundamental para o
entendimento do funcionamento e da dinâmica das relações familiares. Assim, a
transmissão familiar é definida por Wagner e Falcke como uma forma de estudar
diferentes padrões familiares que se repetem de uma geração a outra, mesmo sem
a compreensão das pessoas envolvidas. Este padrão é definido a partir dos
legados, valores, crenças, segredos, ritos e mitos que se perpetuam e fazem
parte da família. Cada família traz consigo um mandato transgeracional cujo
patrimônio ou legado compreende tanto elementos positivos quanto negativos. O
patrimônio ou legado é o mandato transgeracional que transita entre as
gerações, na dimensão psíquica, e que, na maioria das vezes, se passa em nível
inconsciente. A herança recebida de uma geração cria obrigações em relação ao
seu doador. Nesse sentido, o legado seria transmitido de forma positiva,
assegurando a sobrevivência da família e da espécie. O aspecto negativo do
legado seria aquela em que o patrimônio é sobrecarregado de conteúdos
disfuncionais.
Cristiane
Félix da Silva
Silvia
Pinheiro Dutra