Conflito entre alunos – uma abordagem seguindo as leis do amor


Relato do caso

O relato abaixo foi extraído da prática de uma amiga que tendo trabalhado há anos em escolas no ensino fundamental foi apresentada ao trabalho de constelações em 2005 através de nosso instituto. Baseado nas leis do amor descritas por Bert Hellinger essa amiga, que atuava como orientadora em uma escola, viu-se um dia frente a uma situação corriqueira: duas alunas do 1º ano brigaram e uma delas bateu na outra. Foi um tapa que a primeira (aqui vou chamá-la de Ana) deu na segunda (aqui vou chamá-la de Camila), e as duas foram levadas à orientadora. Seguiu-se a seguinte história:

Camila: Ela me bateu e doeu muito!
Orientadora (para Ana): Você agora pode ver que a Camila está chateada com você e com razão. Olhe para ela... Quando a gente bate nos outros é assim, tem conseqüências.
Ana: Mas ela falou algo comigo que eu não gostei...
Orientadora: Bem, só por causa disso você não tem o direito de bater nela. Veja: agora ela está muito chateada com você. Você quer isso?
Ana: Não! Eu gosto de brincar com a Camila.
Orientadora: Bem, Camila, você pode ir. A Ana ainda vai ficar aqui comigo.
(Após a saída da Camila)
Orientadora: Sabe, entre duas pessoas sempre existe uma troca. Você dá uma coisa boa e recebe outra. Você dá uma coisa ruim e recebe outra. Você agora tem que pagar pelo que fez à Camila se deseja realmente que as coisas entre vocês duas fiquem bem de novo.
Ana: Tia, mas eu não tenho dinheiro!
Orientadora (rindo): Não se trata de dinheiro, a gente paga de muitos modos... Você logo logo vai compreender. Me procure mais tarde...

Mais tarde Ana procura espontaneamente a orientadora.
Ana: Tia, a Camila não quer mais brincar comigo. Eu pedi a ela, mas ela disse que não queria mais brincar comigo. (Começa a chorar baixinho).
Orientadora: É claro! Lembra o que eu lhe disse antes? Ficar sem brincar com ela é parte do “preço” que você tem que pagar por ter batido nela...
Ana: (Chorando baixinho) Mas eu gosto dela... tia, é minha melhor amiga...
Orientadora: Ok. Amanhã poderemos resolver isso. Vá para casa, sua mamãe está te esperando...

No outro dia, a orientadora chama as duas para uma nova conversa. Coloca-as frente a frente novamente, de forma que ambas possam ver uma a outra.
Orientadora: Ana e Camila, vocês sempre brincaram juntas, e ontem vocês brigaram, sendo que a Ana bateu em você Camila. Mas ela me procurou ontem ainda e me disse que estava sentindo falta de voltar a brincar com você, Camila. Você tem algo a dizer Ana?
Ana: Sim, tia. (Para Camila) Eu sinto muito que eu bati em você. Eu queria voltar a brincar com você.
Camila: Eu estava com raiva, mas agora eu estou bem. Agora eu quero brincar com você de novo. Eu também sinto muito que eu xinguei você.
Orientadora: Certo! Vão brincar então!

Comentário

Habitualmente quando há um conflito na escola a estratégia muitas vezes do orientador é buscar a reconciliação através do “perdão” e do “pedido de desculpas”. Quando olhamos para essas tentativas à luz das leis do amor que Hellinger descobriu, percebemos que essa abordagem viola o equilíbrio no dar e tomar. O agredido é quase que obrigado a “perdoar” o agressor, e com isso sofre o dano e ainda tem que arcar quase sozinho com as conseqüências. Ele então fica com raiva. Na superfície talvez “perdoe” mas na realidade não. O conflito persiste, e o que é ainda pior, subjacente. O agredido permanece com um desejo secreto de vingança. Também o agressor é “humilhado”, pois não pode se manter “igual”. É de certa forma como que forçado a se “diminuir” perante o agredido. Hellinger mostra que num conflito assim o agressor tem não apenas o dever de reparar, mas o direito de fazê-lo e o agredido tem não só o direito de exigir reparação mas o dever de fazê-lo, a bem da reconciliação. Porém se o agressor não quer, não pode ou não sabe como reparar, por exemplo fazendo algo bom ao agredido, então é adequado que o agredido “dê um troco” um pouco menor do que aquilo que lhe foi feito, a fim de restabelecer o equilíbrio no dar e tomar. Aqui nesse exemplo fica claro como a agredida deu um “troco” um pouco menor ao se recusar a brincar com a “agressora”. E como isso abriu as portas para uma rápida reconciliação. A orientadora ao mostrar à parte agressora as conseqüências de seus atos e permitir que ela arcasse com as conseqüências não tentou forçar uma reconciliação antes da hora, mas permitiu que as leis do amor atuassem por si, o que resultou uma solução “natural” e simples.

Esse é um relato que acredito ser útil a milhares de educadores no Brasil que estejam desejosos de aplicar os princípios da pedagogia sistêmica segundo Bert Hellinger no âmbito de suas escolas. Observem que não houve a necessidade de procedimentos complicados e nem mesmo a execução formal de uma constelação familiar para que a solução fosse atingida, o que mostra a simplicidade dos princípios da abordagem sistêmica fenomenológica desenvolvida por Bert Hellinger.

Escrito por Décio Fábio de Oliveira Júnior